quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

HERMENEGILDO E CABO POLÔNIO: NO TEMPO DA DITADURA GEISEL



Um dia antes do 14º Aniversário do Golpe Militar - Revolução Redentora - uma espuma espessa e fedorenta cobriu a praia do Hermenegildo. Era o final do verão de 1978.


Dias atras, em plena rodovia, um avião uruguaio "estacionado"...



Milhares de toneladas de marisco branco e tatuíras morriam sufocadas - desde o Cabo Polônio, no Uruguai e onde a censura militar impedia qualquer tipo de informação. 


Não resistimos...

O Centro de Estudos Toxicológicos, constituído por professores da Universidade Federal de Pelotas, investigou.

As amostras recolhidas acusaram o gás isotiocianato de metila - usado em inseticidas e considerada a primeira arma química usada em uma guerra mundial. 



Depois descobrimos que houve uma denuncia (falsa) de bomba  no banheiro de um camping, em Punta del Diablo. 


O resultado vazou na imprensa -  
o que não agradou ao governo militar.



Chegando no Cabo Polônio, pegue uma condução para chegar até a praia. Não dá para chegar de carro. Ou caminhe uma hora e meia.

Os profes da UFPel foram convocados ao gabinete do Ministro da Saúde, em Tramandaí, pois a espuma tóxica se aproximava do litoral norte. O Ministro não gostou do que ouviu e os profes voltaram a pé pela freeway, até Porto Alegre...


O fato mais estranho é que os mariscos, mesmo depois de uma semana de mortos, não tinham cheiro de podre, nem sequer decomposição, como se esterilizados.

agrônomo ambientalista Lutzenberger também investigou, e ao retornar do Hermegildo, se viu com uma tosse estranha. Afirmou que era veneno químico e não o que o governo dizia, uma  “maré vermelha” causada por dinoflagelados – plânctons marinhos.


Sebastião Pinheiro, engenheiro agrônomo, engenheiro florestal e ex-analista do Laboratório de Resíduos de Agrotóxicos do Meio Ambiente, e funcionário do Núcleo de Economia Alternativa da UFRGS, que acompanhou esse caso, conta:


“Fomos no avião do governo do Estado. Em Hermenegildo haviam dezenas de agentes do Serviço Nacional de Investigação - atual Agencia Brasileira de Inteligência. 

No local vimos que todas as árvores, arbustos e plantas de hortas caseiras expostas ao vento vindo da praia estavam dessecados. 


Não era fitotoxicidade pela proximidade do mar. Plantas de alta resistência como ciprestes, pinos e até a mamona estavam ressecados ou, melhor dito, dessecados por uma substancia química muito agressiva. 


Colhemos amostras vegetais e também mariscos para análise no laboratório Central do Ministério da Delegacia Federal do Min. da Agricultura. Seguimos as pegadas do pessoal do CET. Sim, nas análises havia resíduos de Isotiocianato de Metila."


"Contudo, os efeitos daquele tóxico jamais teriam condição de tal impacto sobre uma área tão grande, desde Cabo Polônio até Tramandaí."




"Embora a UFRGS emitisse o laudo conclusivo de “maré vermelha” por dinoflagelados, continuamos a investigar..."




 A solução do enigma não estava nas amostras analisadas há mais de duzentos quilômetros de Uruguai adentro, na paradisíaca praia de Cabo Polônio.




A solução estava no dia 13 de Abril de 1971, quando  afundou o primeiro navio cargueiro especial para transporte de cargas químicas, de fabricação nacional, chamado “Taquari”. 


 Um cargueiro assim batizado por Scylla Médici, esposa do presidente general Emílio Garrastazu Médici.



O Taquari  levava uma carga química - altamente tóxica, contendo soda cáustica, mercúrio e outros produtos químicos - da Flórida para Buenos Aires. 

 E antes dessa ultima viagem, o comandante alterou sua rota e, sigilosamente, o levou ao porto do Rio de Janeiro, 


para carregar uma volumosa carga, colocada no convés e coberta com plástico. Antes de seguir viagem, um marinheiro denunciou o procedimento clandestino: armamento.

 “Em uma ditadura é muito difícil e perigoso fazer investigação”: 


o marinheiro acabou atropelado e morto em Porto Alegre, dentro de um táxi.


 O cargueiro Taquari foi conduzido, através do código de luz/escuro, para as pedras no Cabo Polônio, mas acabou
naufragando na praia da Ilha Rasa, e sua carga no convés aprendida por saqueadores. 



Nenhuma das duas ditaduras 
assumiu o risco de aproximar-se do navio. 

Voltando à “maré vermelha”...



Sete anos depois desse naufrágio, uma ressaca no final do verão rompeu os tonéis de oxido de propileno e oxido de etileno, etilenoglicol e etilenoimina que estavam no cargueiro, liberando uma espuma tóxica por mais de mil quilômetros, chegando até a praia do Hermenegildo.


* Tudo ficou por isso mesmo e agora com os militares novamente no poder, posso imaginar que os acidentes ambientais no Brasil vão dar em nada, repetindo o passado criminoso.



“Para complicar o caso nas areias do Hermenegildo, surgiu o cadáver de um jovem sem a cabeça: não era uma coisa rara ou muito anormal, pois a ditadura Argentina realizava os vôos da morte com os seus opositores e as correntes marítimas traziam para o litoral do Uruguai  e naquele 30 de março na praia brasileira.”

Foto de Jurandir Silveira, no livro: "A ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul  (1964 - 1985): História e Memória Voll III: Conexão Repressiva e Operação Condor"




domingo, 16 de fevereiro de 2020

HERMENEGILDO

 É a quarta vez que vou ao sul do país, no verão. Sempre viagens curtas. Desta vez com duas amigas que amo muito. 
  Quando chegamos ao Taim, a paisagem muda lindamente.

 A última vez foi em 2013...
 Volto e me espanto 
como um dia se espantou Dom Quixote:
geradores eólicos em toda paisagem 
feito cavaleiros inimigos.


 É uma viagem longa desde Lajeado, passando por Santa Cruz, Pantano, Encruzilhada, Rio Grande, Taim, Santa Vitoria do Palmar.
 Mais 20 km e chegamos... O mar continua reivindicando suas fronteiras, e os moradores na luta para salvar as residências e pousadas. No dia seguinte, a  maré "voltou para sua casa" e a faixa de areia voltou a ser o que era: nossa!



 As ruas  sem calçamento lembram  uma Xangri-lá de antigamente... E as casinhas de teto baixo, coloridas lembram aldeias no litoral português.Um charme!
Rua das Lembranças
Travessa da Lua
Rua da Saudade
Travessa das Gaivotas...
Não mais que 30 ruas!




É a praia dos moradores de Santa Vitoria do Palmar.

É impossível andar por aqui
sem lembrar que um dia 
a praia viveu momentos de terror...


“Este é o aumento do nível do mar mais rápido dos últimos três mil anos.

Graças aos altos níveis de CO2 na atmosfera e ao aquecimento global resultantes das emissões desse e de outros gases de efeito estufa, no século 20, os oceanos subiram, pelo menos, 14 centímetros.

A cada 2,5 cm de aumento no nível do mar, ele avança de 1,2 a 2,5 metros no litoral.

Pode parecer ínfimo, mas se considerarmos a grandeza dos oceanos, com mais de 500 milhões de metros cúbicos de água, um centímetro ou dois podem fazer uma enorme diferença.”

 Uma outra pousada convidativa

 :)
 "Hermenegildo: Aquele que se sacrifica aos deuses."


 Clube com restaurante, 
 muitas festas e carnaval!

 Gosto desse ar retrô, decaída, deserta, 
que parece agonizante, mas muito viva!
A casa do Livro do Hermenegildo resiste!

 Antigamente, rodávamos 18 km  pelo beira da praia e chegávamos à Barra do Chui. Acho que agora é impossível...

 Hermena, para os íntimos, rivaliza com a praia do Cassino, em Rio Grande: a maior praia do mundo.
 Delícia de sombra!

A praia faz divisa com o Uruguai... Em 1971, naufragou no Cabo Polônio, o primeiro navio cargueiro especial para o transporte de cargas químicas de fabricação nacional “Taquari” – mesmo nome do rio que banha minha cidade. 

Essa história conto na próxima edição do cibercolonia...


Por ora, fiquem com Iemanjá que na rua principal de Hermena recebe os turistas argentinos, uruguaios... 
 ... e brasileiras.