Um dia antes do 14º Aniversário do Golpe Militar - Revolução
Redentora - uma espuma espessa e fedorenta cobriu a praia do Hermenegildo. Era o
final do verão de 1978.
Dias atras, em plena rodovia, um avião uruguaio "estacionado"...
Milhares de toneladas de marisco branco e tatuíras morriam
sufocadas - desde o Cabo Polônio, no Uruguai e onde a censura militar impedia
qualquer tipo de informação.
Não resistimos...
O Centro de Estudos Toxicológicos, constituído por
professores da Universidade Federal de Pelotas, investigou.
As amostras recolhidas acusaram o gás isotiocianato de
metila - usado em inseticidas e considerada a primeira arma química usada
em uma guerra mundial.
Depois descobrimos que houve uma denuncia (falsa) de bomba no banheiro de um camping, em Punta del Diablo.
O resultado vazou na imprensa -
o que não agradou ao governo militar.
Chegando no Cabo Polônio, pegue uma condução para chegar até a praia. Não dá para chegar de carro. Ou caminhe uma hora e meia.
Os profes da UFPel foram convocados ao gabinete do Ministro
da Saúde, em Tramandaí, pois a espuma tóxica se aproximava do litoral norte. O Ministro não gostou do que ouviu e os profes voltaram a pé pela freeway, até Porto Alegre...
O
fato mais estranho é que os mariscos, mesmo depois de uma semana de mortos, não
tinham cheiro de podre, nem sequer decomposição, como se esterilizados.
O agrônomo ambientalista Lutzenberger também investigou, e ao
retornar do Hermegildo, se viu com uma tosse estranha. Afirmou que era veneno químico e
não o que o governo dizia, uma “maré vermelha”
causada por dinoflagelados – plânctons marinhos.
Sebastião
Pinheiro, engenheiro agrônomo, engenheiro florestal e ex-analista do
Laboratório de Resíduos de Agrotóxicos do Meio Ambiente, e funcionário do
Núcleo de Economia Alternativa da UFRGS, que acompanhou esse caso, conta:
“Fomos no avião do governo do Estado. Em Hermenegildo haviam
dezenas de agentes do Serviço Nacional de Investigação - atual Agencia Brasileira de Inteligência.
No local vimos que todas as árvores, arbustos e
plantas de hortas caseiras expostas ao vento vindo da praia estavam dessecados.
Não era fitotoxicidade pela proximidade do mar. Plantas de
alta resistência como ciprestes, pinos e até a mamona estavam ressecados ou,
melhor dito, dessecados por uma substancia química muito agressiva.
Colhemos amostras vegetais e também mariscos para análise no
laboratório Central do Ministério da Delegacia Federal do Min. da Agricultura.
Seguimos as pegadas do pessoal do CET. Sim, nas análises havia resíduos de
Isotiocianato de Metila."
"Contudo, os efeitos daquele tóxico jamais teriam condição de tal impacto sobre uma área tão grande, desde Cabo Polônio até Tramandaí."
"Embora a UFRGS emitisse o laudo conclusivo de “maré vermelha” por dinoflagelados, continuamos a investigar..."
A solução estava no dia
13 de Abril de 1971, quando afundou o primeiro
navio cargueiro especial para transporte de cargas químicas, de fabricação
nacional, chamado “Taquari”.
Um cargueiro assim batizado por Scylla Médici, esposa do presidente general
Emílio Garrastazu Médici.
O Taquari levava uma carga química - altamente tóxica, contendo
soda cáustica, mercúrio e outros produtos químicos - da Flórida para Buenos
Aires.
E antes
dessa ultima viagem, o comandante alterou sua rota e, sigilosamente, o levou ao porto do
Rio de Janeiro,
para carregar uma volumosa carga, colocada no convés e coberta
com plástico. Antes de seguir viagem, um marinheiro denunciou o procedimento
clandestino: armamento.
“Em uma ditadura é
muito difícil e perigoso fazer investigação”:
o marinheiro acabou atropelado e morto em Porto Alegre, dentro de um táxi.
O cargueiro Taquari foi conduzido, através do código de luz/escuro, para as pedras no Cabo Polônio, mas acabou
naufragando na praia da Ilha Rasa, e sua carga no convés aprendida por saqueadores.
Nenhuma das duas ditaduras
assumiu o risco de aproximar-se do navio.
Voltando à “maré vermelha”...
Sete anos depois desse naufrágio, uma ressaca no final do verão rompeu os tonéis de oxido de propileno e oxido de etileno, etilenoglicol e etilenoimina que estavam no cargueiro, liberando uma espuma tóxica por mais de mil quilômetros, chegando até a praia do Hermenegildo.
* Tudo ficou por isso mesmo e agora com os militares novamente
no poder, posso imaginar que os acidentes ambientais no Brasil vão dar em nada,
repetindo o passado criminoso.
“Para complicar o caso nas areias do Hermenegildo, surgiu o cadáver de um jovem sem a cabeça: não era uma coisa rara ou muito anormal, pois a ditadura Argentina realizava os vôos da morte com os seus opositores e as correntes marítimas traziam para o litoral do Uruguai e naquele 30 de março na praia brasileira.”
Foto de Jurandir Silveira, no livro: "A ditadura de
Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964 - 1985): História e Memória
Voll III: Conexão Repressiva e Operação Condor"
Reportagem na íntegra: https://goncalodecarvalho.blogspot.com/2014/03/lembrando-hermenegildo.html
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