domingo, 20 de novembro de 2011

PASSADO & PRESENTE

O pai de minha mãe era um alemão alto, de rosto vermelho e olhos azuis. Foi dentista prático. Até eu descobrir o que significava exatamente “aquilo” levou tempo. Na época a gente podia entrar no seu consultório, no seu minúsculo laboratório e mexer nos dentes, no gesso e na cera vermelha do molde das “chapas”, subir e descer na cadeira-elevador, brincar com a mangueirinha de água na boca feito chuveiro no rosto dos primos.  “Podia” é maneira de dizer. Ele saía por uma porta e a  gente se esgueirava por outra. Meu avô  foi um pratico até os anos 60 em Vera Cruz. Não só arrancava dentes como obturava e fazia dentaduras. Até hoje guardo a imagem de meu primo Gustavo, com a boca aberta, sangue jorrando e o vô Henrique exibindo o dente com uma baita raiz. Filme de terror. A gente morria de medo de que um dia pudesse acontecer o mesmo. Por sorte, fomos todos encaminhados ao dr. Trentini.

Já o pai do meu pai também era alemão por parte de mãe, por isso também olhos azuis. Era boticário e me ensinou a jogar Mexe-mexe, espécie de palavras cruzadas de tabuleiro e pecinhas de madeira. Vô João não permitia que ninguém proferisse palavrão dentro de sua casa, em Cruz Alta.  Mas, podíamos expressar no jogo. O máximo que conseguíamos escrever era “cocô” e “merda” – de tanto medo de uma carraspana. Gosto de jogar Mexe-mexe até hoje, mas não tenho companhia e aposto que você nem sabe o que é “carraspana”. 


Às vezes me pego pensando nos meus avôs. Você não?
Muita alegria por ter convivido com os dois.
Também, às vezes acredito que avôs não existirão mais nesses tempos de internet.
Porque não haverá mais netos. Ninguém terá tempo para essa espécie humana.
Tampouco para fazer filhos. Por conseguinte...
E porque avôs de hoje estão muito ocupados em ganhar dinheiro, casar de novo, viajar para o nordeste ou exterior, casar de novo – sim, vivem tanto que  casam, no mínimo, duas vezes. Eles pintam os cabelos e os bigodes, quando tem. Fazem musculação, jogam basquete e futebol até os 70. E bebem vinho. E usam roupas de marca. Dirigem carros bacanas. Pelo menos os avôs que tenho observado por aí.
Não tenho nada contra, juro.
Mas é que tenho uma saudade dos avôs de antigamente, gordinhos e enrugados, de óculos dependurado no peito. Que usavam boné xadrez, camiseta por baixo da camisa, que sabiam o que fazer com um graveto e um canivete na mão. Zeus-que-me-perdoe! E lá íamos nós com nossas fundas, ou estilingues ou bodoques, caçar passarinho e espantar gato em cima de telhado. E sem nenhuma vergonha na alma porque sequer imaginávamos a maldade. Bom, daí um certo exagero meu. Até hoje me cobram uma cara de sonsa e uma gaiola aberta e um periquito em liberdade.

A gente deveria encarar a morte com naturalidade. Dizem que os espíritas sofrem menos com as perdas. Eu não digo nada. Tudo sempre será um grande mistério.
Mas, os avôs sabem. Avô sempre sabe de tudo.

* Minha crônica nos jornais A Hora dos Vales, Lajeado e no Opinião, de Encantado.

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